Atletas falam do assédio, ensaios sensuais e homossexualidade

Atletas falam do assédio, ensaios sensuais e homossexualidade

Uma é a mulher com mais participações em uma Copa do Mundo, a outra a melhor do Mundo. A terceira é o principal nome em atividade no Brasil. A última é a atual capitã. Juntas, as atletas Formiga, Marta, Cristiane e Aline Pellegrino brilham na seleção brasileira e hoje simbolizam toda uma geração que tem lutado para que o futebol feminino no país, finalmente, deslanche.
A convite do UOL Esporte, as quatro se juntaram para debater possíveis mudanças no futebol feminino, os dois lados da fama, a constante ligação da modalidade com a homossexualidade e até a eleição da primeira mulher como presidente do Brasil.

Adaptação do futebol feminino
Aline Pellegrino: A gente ouve sobre diminuir a trave ou ter uma bola de um jeito, mas para quem está aqui acompanhando, olhando, vê que isso é baboseira. A menina pega a bola e põe onde quer, a goleira tem condição de fazer a defesa nessa trave. As pessoas que falam isso estão dentro do estúdio, vendo na tevezinha. São pessoas que formam opinião e estão no lugar errado. Às vezes é ruim, fala um, fala outro, e eu acho que é a maior baboseira mudar trave, dimensão de campo, colocar bola leve, bola rosa... Isso é só para dar matéria.
Marta: A única vantagem que o homem tira da mulher é que eles sempre serão mais fortes, isso não tem como discutir. Mas tem meninas aqui que hoje em dia mostram habilidade com a bola bem maior do que alguns marmanjos e tem uma forma de bater na bola bem melhor que outros que treinam quase todos os dias e recebem um salário enorme. A maior diferença é a força física, só isso. A gente nunca reclamou se o campo é maior, menor, ou a bola está pesada.

O preço da fama
Cristiane: Alguns homens se aproximam querendo fazer amizade, alguns admiram o esporte que a gente pratica, querem compartilhar, têm curiosidade para conhecer. Eles querem saber se a gente sente dor quando a bola bate em certo lugar, pergunta como funciona, quer trocar figurinha. Tem aqueles que deixam de lado, mas tem esse assédio todo no Brasil, mas quando voltar da Copa do Mundo será maior ainda. É até gostoso, saber que tem um reconhecimento, esse carinho das pessoas no nosso país, que é onde a gente precisa ter apoio.
Aline: Mais engraçado é estar no shopping, na rua, e vir um homem tirar foto porque você joga futebol. É sensacional.
Formiga: Tem gente que diz “eu tento fazer isso o que você faz, mas não tem jeito. Não nasci para jogar futebol”.
Aline: Isso é de chorar. Uma vez estava com a minha mãe na [rua] 25 de março [em São Paulo], cheia de roupa, cheia de bolsa, no final de ano, e um cara me para falando: “Você é a Aline? Nossa..”. E foi tirar foto. Às vezes ele está com a mulher, a namorada, o filho. Ao ponto de um homem no Brasil chegar e querer tirar foto com uma jogadora de futebol, isso é bem interessante.
Cristiane: Fizeram isso em Teresópolis. Eu estava andando com a Aline [Pellegrino] para comprar as coisinhas para a Festa Junina e um rapaz de mão dada com a namorada chegou...
Aline: Ele falou: “Cristiane!”. Aí jogou a namorada pro lado, e a menina: “Cristiane?”. Ela não estava entendendo nada do que estava acontecendo, mas foi muito engraçado. Quando eu ia falar que alguém ia me parar na rua para tirar uma foto.
Ensaios sensuais
Aline: A Cris foi contracapa do nosso calendário sensual.
Cristiane: Tem um lado gostoso, porque o pessoal gosta de ficar comparando muito. “As meninas do vôlei são mais bonitas que as do futebol”. Espera aí, a gente não joga com shortinhos. Vôlei joga com um shortinho mais apertadinho e curto, não tem condição de a gente jogar assim. Não tem condição de encher a cara de maquiagem. Algumas tentam, mas eu mesmo não vou encher a cara de maquiagem. Eu uso lente, se coçar o olho acabou, não enxergo nada. Como é que vai fazer uma chapinha no cabelo e jogar na chuva. A gente precisa ir todo final de semana fazer a unha do pé porque está toda destruída, já que tomamos vários pisões. Às vezes o pessoal não vê esse lado nosso, então vê a gente arrumada fala “nossa, é você? Não parece naquele uniforme todo”. Não dá para ficar linda e bela dentro de um uniforme jogando no barro.

Então tem esse lado gostoso, sim, de as pessoas reconhecerem, tem esse lado de se cuidar, cada uma tem sua beleza, e isso é bom. Não fica aquela coisa masculinizada. Mas não dá para ficar comparando.

Aline: Fazer sempre não é legal, mas ter uma oportunidade para quebrar um paradigma, é bacana. Tem um calendário que saiu e você vê que todo mundo que está lá joga futebol e durante a semana inteira está na lama, dando carrinho, toda zuada, e está lá em uma foto maravilhosa. As meninas da Rússia vão jogar de biquíni. Aí já acho que é apelar demais. E se tiver que dar um carrinho? Eu acho que é muito chamativo. Pô, sou atleta, acho que tenho um corpo lindo, me acho super bonita, recebi um convite, e só porque sou jogadora não posso fazer? A menina que está na TV e é atriz fazendo novela, ou a outra pode fazer? É a nossa profissão. Tenho o mesmo direito de me achar gostosa o suficiente para ir para uma Playboy. As pessoas pegam o esporte, e fica muito aquela coisa. Tudo bem que vai ter um monte de gente na arquibancada segurando a Playboy. Na novela a atriz não fica vendo quantos estão com a Playboy na frente da televisão, mas está do mesmo jeito. O pessoal gosta muito de polemizar, pega muito no pé do esporte.  Do futebol então, a gente é top 1 de tudo que é polêmica, e fazer esse tipo de situação às vezes é legal.

Homossexualidade e as críticas da treinadora da Nigéria
Formiga: O comentário da técnica foi muito infeliz, até porque, querendo ou não, ela mexeu com muitas pessoas. Já falei que as pessoas hoje em dia falam muito do futebol feminino em relação a isso, como se só no futebol feminino existisse isso. Todas nós sabemos que em várias classes isso existe. Então até por esse preconceito com o futebol feminino que às vezes não temos apoio. Ela fazendo isso complica, não só em relação ao nosso país, mas para o lado dela também, porque tenho certeza que muitas jogadoras do lado dela não gostaram. Então acaba manchando o futebol feminino no geral.
Marta: Acho que cai muito para o futebol feminino, porque já tem a fama de ser masculino, de jogar um esporte que exige força. Como a Cris falou, não dá para colocar um shortinho para jogar. As pessoas quando olham o futebol feminino já pensam que aquela menina é homossexual, gosta de mulher. Não quer dizer que nos outros esportes não aconteça, mas não é tão exposto como no futebol feminino. Minha opinião é que cada um faz da sua vida o que quiser. Você não tem que julgar aquela atleta pelo que ela gosta fora de campo, pelo fato de ela ter um relacionamento com homem ou mulher, mas sim pelo que ela faz dentro de campo. Não tenho preconceito nenhum. A gente tem que aceitar as pessoas como elas são.
Cristiane: Cada um faz o que quer com a sua vida e o que vale para gente é o que fazemos dentro de campo. O nosso trabalho infelizmente é voltado para o futebol feminino e justamente pela palavra futebol, que para eles é uma coisa de homem, mas não tem nada disso. Acontece em várias modalidades e fora do esporte. Tem aquele foco todo para o futebol feminino, e fica maior ainda com uma polêmica. Queira você ou não, as pessoas sempre gostam de ficar martelando em cima daquilo, mas acho que é uma coisa que tem que mudar.
Aline: Se pessoas que fazem o mesmo que a gente tem esse tipo de preconceito, imagina todo o resto, que não faz ideia do que acontece. Vê o caso do Michael, do vôlei. Hoje em dia quem é do esporte e acompanha sabe o que acontece, só que ninguém fica gastando os caras falando que todo mundo que joga vôlei é gay, mas [falam que] todo mundo que joga futebol é sapatão. Vai botando tudo nas nossas costas que a gente lida bem, mas é complicado. Chega ao ponto de um cara, que está super bem resolvido, ter de sair do armário, se expor, de uma coisa que ele não é obrigado a fazer, e isso é complicado.
Marta: Na Alemanha você vê que ninguém está nem aí. Nos Estados Unidos a mesma coisa. Na Suécia também. São países bem evoluídos que não querem perder tempo com isso.
Cristiane: Também é uma questão de cultura. Tem pessoas que foram criadas de uma maneira bem antiga, e hoje não tem mais isso não. Uma coisa diferente para eles já não vale. Acho que é muito de cultura também.
Aline: A gente que chega em uma Olimpíada e vê atleta do mundo inteiro sabe o que é. O cara é o top, e alguém está preocupado? Aí tem aquela nadadora.. Alguém está preocupado se ela vai ficar com uma mulher depois que ela nadar? Ninguém fala nada, e a galera venera esses atletas no país. E no país que a gente está é só atrativo para ficar mais difícil, mas estamos acostumadas.
Cristiane: Acaba virando motivo para dizer. “ah, está vendo, não dá para patrocinar tal atleta ou equipe justamente por isso”.
Aline: Isso no Brasil mudou no Pan. Enchemos o Maracanã com 70 mil pessoas, e ninguém estava preocupado se tinha alguém de cabelo curto, se era neguinha, se era loirinha, se era bonita, se era feia, a galera estava ali extasiado com o futebol feminino, e ali demos uma quebrada nessa questão. Mas antes, nossa, era incrível.
Formiga: Era complicado, em 1997 falavam mal porque tinha uma menina com o cabelo curto.
Aline: Você vê aqui na Alemanha, tem mãe, irmã, tia, tudo com o cabelo curto, e é super normal. E lá no Brasil tinha sempre alguém que ficava do lado de fora contando quantas tinham cabelo curto. Agora não é mais o cabelo. Falam que a gente perde de não sei quanto a zero por causa da beleza. Então agora tem que ser bonita. Antes tinha que ter o cabelo cumprido. Caramba, cada hora temos de ser alguma coisa.

Uma mulher como presidente  
Aline: Espero que a gente chegue no dia 18 ou 19 [de julho] no Brasil e que a gente vá rolar na rampa do Planalto. O Vampeta deu cambalhota, a gente quer rolar lá com a Dilma, abraçá-la. O Brasil melhorou, evoluiu muito, a gente tem a Dilma lá, tem o melhor jogador do mundo, que é a Marta. Ela é melhor que o Zidane, o Ronaldo, o fulano, o sicrano, porque em premiação, ninguém fez igual. Ela é mulher e é brasileira. Está mudando, mas a gente quer mais é chegar no dia 18 e rolar no planalto.

FONTE: ESPORTE.UOL.COM.BR
TEXTO: Thales Calipo
Em Dresden (Alemanha)
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